quarta-feira, abril 12, 2006

como eu posso dizer da saudade que sinto e não devo contar

Se me esqueço de armar o despertador, há sempre um camião carregado de legumes e frutas para o restaurante lá debaixo que me acorda. Por volta das sete horas já o meu banho escorre pelos canos da cidade que dizem estar cheios de ratazanas, as mesmas que eu vejo todas as manhãs no subway.
O roupão é azul, daquele como o que está nas obras de Picasso no seu período dessa côr. Há um quadro, em particular, de que gosto. Deve ser pelas asas e pela janela que permanece aberta. Está sempre aberta. Como a vida que levo nestas ruas cinzentas e cheias de gente. Aqui, nem os cremes são inprescidíveis. A humidade é tanta que quase transpiro com 5 graus negativos. Sim, a temperatura sei todos os dias pela rádio que não se cala. Acertam sempre. E ponho sempre os cremes. No roupão que largo em cinema da cama, ficam os cheiros do banho e da pele da noite que se enroscou sózinha naquele edredon de penas, onde durmo tão bem. Que espécie de sedativo terá a cidade? Todas as noites adormeço. E o azul dessa janela reacende-se à porta do prédio, quando o frio me atinge os olhos e o nariz e as orelhas. Com as luvas postas, peço uma bagle, com cream cheese e deixo um dolár em moedas de cêntimo que já estou farta de ter o porta-moedas carregado. Bolas, esqueci-me de carregar o cartão do metro, tenho de voltar para trás e já estou atrasada mas aquela senhora está perdida nos botões da máquina e eu tenho de a ajudar. Fala português? Pois, como qualquer brasileiro. É verdade, estamos muito por cá. Obrigada pela ajuda. Mas será que ninguém fala em inglês? Ah, o rapaz que canta hip-hop. Bem, muito bem. O túnel cheira a fumo que não é fumo. Deve ser dos cabos e dos carris e das portas que se abrem e arranham o metal e das pessoas que fumaram e das caldeiras que aquecem as casas e ds délis que já têm a comida pronta para o almoço. Na viagem há um walkman que não pode ser perturbado. É quase nervoso pois se me mexo, volta ao início da canção. Que até nem me importo pois Lisa traz daquela energia que da voz sai.
Day... break.... logo pela manhã... antes de um expresso, o melhor que consegui encontrar está aqui na Union Square e eu até tenho tempo para me sentar num dos bancos e ver um esquilo ou dois a correr. Antes de entrar, o senhor do carrinho da esquina tem ali umas maças e umas pêras boas que servem para o meio da manhã e para a proibição de fumar lá dentro. E há também um dióspiro. Adoro dióspiros, muitos. Côr de laranja e maduros como o calor da minha África que também sou capaz de morder e deixar correr pelos cantos da boca o sumo dos prazeres. E azul é a luz daquele horizonte que se define enorme na Park Avenue e que eu anseio por fazer a pé até ao barco que vai e vem para a Staten Island e dizer excuse me e I’m sorry e thank you soo much e a glass of ice water, please e one ticket e some pancakes e a yellowcab e keep the change. Pronto, já me perdi. Vou comer um morango enquanto não me transformo em pássaro branco e me perco nas minhas rotinas azuis de Nova Iorque.

4 Comments:

Anonymous Anónimo said...

AMOR?
Pode o amor existir nos Blogs? Pode, se existir fora deles. Ou não é?

11:44 da manhã  
Blogger Lolita said...

LINDA!!!

2:16 da manhã  
Blogger Amélie said...

Obrigada pela visita que me fez ter esta feliz descoberta... Depois de te ler acredito que as palavras são a tua matéria-prima.

5:52 da manhã  
Blogger AS said...

Quando vamos lá?

9:38 da manhã  

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