terça-feira, abril 04, 2006

La chanson des vieux amants



Finalmente. Finalmente ele chega. A porta do automóvel abre-se numa pressa. Tenho vestida uma saia branca que a minha mãe me deixou comprar. A minha mãe diz que nunca nos casamos com o nosso verdadeiro amor. E eu vou acreditar? Agora não. Sento-me e as pernas tremem. Mas sei que tenho aquele olhar seguro de quem sabe o que faz. Para o resto da vida? Sim, para o resto da vida, eu sei o que quero. E já nem quero mais nada. A estrada tem buracos. Muitos que me fazem saltar do banco, só que nem consigo desviar o rosto. Sim, o meu homem tem cheiro. Confundo-me ali, na sua pele. Que ainda não conheço. Que ainda não me provou. Pele que se guardou. A minha para a dele. E ainda há dos dedos. De falar dos dedos e dos suores da humidade que a minha Ásia tem. A minha Ásia que é do corpo que quero e nem sequer temo. Branca. A minha Ásia branca nos braços de um desconhecido que nem sei do nome. Sei da côr que também é essa minha e branca e sei das músicas e das poesias que eu aprendi logo à nascença. Agora já posso dizer delas.A viagem continua pelo meio da ruidosa cidade. Há um vendedor que nos olha pela janela e fica feito de olhar aflito. Não vá menina, não vá! Sabe lá quem é que a pode ter? Não sabe que é heresia amar assim? Vá, vá embora... ainda tem tempo de fugir. Fugir? Para onde, se este é o meu lugar? Sei lá se sei de amar... alguém me pode ensinar? Por entre os panos brancos que o meu homem estendeu, sei. O meu homem nem sabe que já digo meu. As flores espalham-se na estrada. Os fumos da casa do ópio invadem a minha cabeça. O ópio que queria ter coragem de fumar. O meu homem fumaria comigo e esqueceríamos que o mundo existe e que as cores não têm sentido e que a verdade é um risco e que a vida toda está no seu sorriso. Já disse do seu sorriso? Ó senhor jardineiro, o seu sorriso é a virtude maior que eu tenho. Já lhe disse, senhor jardineiro que o seu sorriso é mais antigo que a minha memória de gostar? O seu sorriso leva-me agora para a cama e eu nem sei se sei como beijá-lo.

O sangue vermelho já molha os lençois.


versão livre da cena do primeiro encontro em
"O Amante" (1992)
real. Jean-Jacques Annaud

6 Comments:

Anonymous Anónimo said...

...numa grande versão livre, como uma andorinha, que olha o jardineiro no seu trabalho

9:56 da manhã  
Blogger AS said...

Fumar mata, dizem, mas sabe tão bem. Ah, e o fumo é branco... Só podia.

12:58 da tarde  
Blogger maldito cinema said...

É tal o vício... mas branco sim, branco.

2:39 da manhã  
Blogger Roxanne said...

A tua versão transportou-me para uma outra versão, também livre, da minha Ásia.
Parabéns, gostei muito.

3:01 da manhã  
Blogger Unknown said...

se somos livres porque prendermo-nos em pormenores sem importancia...
falo do meu comentario...
beijo

terei eu encontrado um amiga? (hihih)

5:56 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Este comentário foi removido por um gestor do blogue.

2:51 da tarde  

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