sexta-feira, junho 16, 2006

a celebração


David Mourão-Ferreira (1927-1996)

Fotografia Mário Cabrita Gil




Quem foi que à tua pele conferiu esse papel
de mais que a tua pele ser pele da minha pele.

segunda-feira, junho 12, 2006

Arrenda-se

Apartamento de 23 metros quadrados, 5º andar sem elevador. Casa de banho com águas correntes, sem esquentador nem banheira. Varanda aberta, estendal de roupa virado a sul. Soalho de madeira antiga por encerar, portas verdes a faltar a tinta. Paredes brancas e tectos com teias de aranha. Rodapés com caruncho. Cozinha junto à sala, separada por um cortinado vermelho. Lava-loiça em pedra, fogão de dois bicos, sem forno. Quarto com cama de ferro e colchão asseado. Atoalhados e lençois limpos, uma vez por semana. Duas almofadas e uma manta de retalhos. Sofá e flores de plástico em cima da mesinha de entrada. Fraca rede de telemóvel.
Sem vizinhança.

Contacto?

sexta-feira, junho 09, 2006

todos os dias, a primavera


Gustav Klimt (1862-1918)

segunda-feira, junho 05, 2006

a alma no tecto

"Raiz di Polon"
nova dança de Cabo Verde
Direcção: Mano Preto
Residência artística: Escola Superior de Dança
Lisboa (Maio/Junho 2006)



É nos meus pés que está o primeiro movimento.
Os dedos mais pequenos estendem o corpo que começa a acordar. Sentada no chão, as pernas descansam.
Mas há um sopro do meu ritmo, aquela contracção interna que as levanta, de suspenso.
Devagar, esticar. Continuar. Movimentar o espaço de olhos fechados, de luzes abertas para o rosto em frente.
Estou sozinha. E alcanço o dormente ar quente com as mãos. Ainda nem saí do chão. E abraço. Os braços que tenho.
Puxo. E rodo o corpo para o lado suave e abro o peito e sinto os cardeais pontos e espalho o cabelo e suavizo os dedos e amanho a pele e enrijo lábios.
E os pássaros que voam. Levanto o tronco, apoio de pés e mãos fortes. Já e então à dança dos espelhos! e trajectos repetidos, o mundo e eu em madeira descalça, violências cruzadas, roupa rasgada, gritos de fúria!!
Finalmente livre.

sexta-feira, junho 02, 2006

Não se perdeu

Não se perdeu nenhuma coisa em mim.
Continuam as noites e os poentes
Que escorreram na casa e no jardim,
Continuam as vozes diferentes
Que intactas no meu ser estão suspensas.
Trago o terror e trago a claridade,
E através de todas as presenças
Caminho para a única unidade.



Sophia de Mello Breyner

quinta-feira, junho 01, 2006

COMPRA-SE

Edward Hopper (1882 - 1967)




“ Prefiro mulheres talentosas que saibam cuidar dos porcos e das galinhas.”

... que entram os dias
com pouco nada de preocupação
que riem
ao largo das águas dormentes...
que sonham três dias
de vida ausente.

Prefiro mulheres
sem mãos de vontade
sem poros abertos
nem cheiros presentes.

Nem esperam.
Nem sabem. Ser felizes.